Escorados sobre a laje fria que serve de mesa naquele bar de esquina, onde as catarreiras sempre cheias se fazem ao chão, se misturando as solas dos sapatos gastos, as pontas de vidro brindando o nome do santo; pôr deslize na inebriante embriaguez do sorver da canha boa, aroma singelo que fere as narinas e umedece os lábios rachados, umas charlas costumeiras desabrocham o sentimento do dar valor ao que fazer nesta vida de puto-escravo. O lamento em reza e prosa curva-se no som do côncavo ambiente, na confusão do próprio "nervo optikós", quando as luzes revelam imagens rotoscópicas da faina diária.
Ali esquecem o abandono do ser solitário, da boca a mais para alimentar. Ali afogam mágoas de amores não correspondidos, de frustrações de tino perdedor, simplesmente não o são felizardos da sorte grande, berço de ouro.
A quermesse preenche o colchão de penas do bolicheiro na tardinha. Pára no último gole, copando estrelas para aqueles que ao saírem, fitem o manto negro pontilhado sob suas cabeças. Querem o mundo e até os tem por força do pensamento. São, por instantes, os proprietários relâmpagos de fazendas povoadas de gado, granjeiros, locatários endinheirados, arrendatários de sonhos desejados. São os mandraques das obras públicas, os manda-chuvas do pedaço, os edis topando qualquer proposta por emenda no orçamento.
De volta a realidade, se pegam piegas, pedantes do falatório. Mais um gole. Mais um crivo. Segue a peça da engrenagem do tempo, feito corpo em máquina quente, feito grão de areia esvaindo pelo orifício da ampolleta a trabalhar por uma vida. Burburinhos, lamentações, resmungos abafados de inveja do companheiro de copo e sua atual posição.
Impunha serelepe de alcoviteiros, risos, sorrisos frios, chispas... mãos cambaleantes acalmam temporariamente a tremedeira do copo a encontrar a boca. Mãos engraxadas azeitam o vidro transparente depois de mais um trago de alento. Dedos de cal deixam digitais do obreiro na sua breve passagem pelo cálice de igual feitio aos tijolos sentados sobre os outros na parede da cova rasa. Vão pregando de espacito, sem saberem, o prego dos anos do caixão encomendado em vida, marteladas de compasso ritmeiro nas tábuas de cedro claro-escuro -, e os seus terão que pagá-los junto às coroas e as velas.
No banheiro acanhado e fedorento de mijadas não certeiras, restos vomitados decoram a privada inundando mal cheiroso perfume ambiente de lugar não quisto e respeitoso. Papéis higiênicos atulham o cesto e na falta deste, limpam-se as mãos na roupa. A torneira goteja vazante cadência e nas mesas plásticas próximas ao WC, onde o silêncio é quebrado pelo bater dos pingos na pia, a fumaça dos cigarros dão ares de cerração e se juntam a outros...
Outros pouco ligam para a névoa morrinhenta, despreocupados, ocupados que estão com a jogatina na mesa de truco retrucado e blefado do espadão que faz transparecer tê-lo em mãos tão sórdidas e mentirosas. A isso é a arte do jogo e nada e nem ninguém pode fazer ou falar, pois vence aquele que melhor dissimula e se calça quando a sorte se faz nas três cartas, nos palitos de fósforo que podem valer uma vida no cenho de pavio curto.
Perdem uma, perdem muito, perde-se o necessário, à noite de sono, a desfaçatez do fingimento familiar. Tudo perdido numa rodada. Ganho pro jogador de intuição que sabe a hora de parar... “aos vencedores as batatas”. Aos perdedores resta o lamento da dívida no banco da praça, o arrependimento que, faltou a mesa no antes da aposta, num instante, vacilo da má sorte no balanço esvoaçante da pracinha.
Do lado de fora, os grilos torturam flagelos esfolando patas em oferendas as estrelas... choro de crianças sem pais, órfãos dos copos de cana e do carteado.
Monday, July 02, 2007
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