Friday, September 07, 2007

Espelho clássico

Não sei até que ponto minha verborragia tem um quê de verdade. Antes dos julgamentos que advirão em fôrma de “espelho”, admito meu grau de loucura consciente. O reflexo refletido do meu rosto se encerra; adorno púrpuro do silêncio. É preciso prosseguir mesmo na convalescença insana do presente, mesmo nessa morbidade corporal e espiritual. Perdoe-me. Meu eu não propõe trégua, não descansa do ver sem ter visto o vazio. São minhas as memórias e a dos outros. - Sem pudores...

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A tasca fica ali aonde todo mundo sabe. Daqui onde mateio, uma música chorosa chega e dá bem para distingui-la, é xote marcado. Vem de lá de cima da outra coxilha. Enxergo a luzinha vermelha no pórtico de entrada. É um dos caminhos mais conhecidos de San Thomé. Para lá se dirige outra procissão de mortos vivos a procura do divã, do perfume adocicado de lavanda nos cangotes das mulheres da vida. Buscam a rosa desabrochada de lábios vermelhos, o rouge-batom, os cílios esverdeados como laços de fita do vestido da mãe. O leite derramado do matrimônio de mentirinha. Troca espontânea do prazer que lhes falta na cama por alguns cobres suados na labuta. Amor sem ser medido. Poder viril de provar ser na roda de amigos o que não é na gabação do ser homem de colhão. - Estou vendo...

No salão, soa tão vulgar e malicioso o andar requebrado do chinedo metido. Dizem que as mais amargas assim ficaram porque n´algum dia amaram. Ficam nos cantos, pitando suas cigarrilhas fedorentas com miras invejosas sobre os clientes que aguardam a cerveja e a conversa fácil das colegas de profissão. Incitam-nos a beberem para ganharem a comissão. Os mais experientes bebem sozinhos. Primeiro no bico seco, depois negociam a noite, as horas, os minutos, a chave do quarto. Os pares disformes dançam uma música ligeira. O mestre Barriga esfola a pele do bumbo e faz malabarismos com as baquetas no compasso do vai-e-vem do fole da sanfona. Meneia a cabeça para dar ao ouvido o melhor som da batida. Abre um sorriso branco, alvo como a dos negros.

A cafetina passa. Passa diante dos quartinhos separados por cortinas. Ancas gordas de igual rebolado. Rosto e corpo flácido de puta-velha-administradora da casa. Chega de mansinho na prostituta que faz pouco caso dos clientes. Esta mostra a caderneta de consultas médicas a que são submetidas quinzenalmente. A cafetina manda se recolher. De dentro flui completa dominação das regras que não vieram. Hoje não tem trabalho. Também há respeito e ordem na desordem. Um martelinho da branca pura para o moço da mesa oito. Uma porção de amendoim e cerveja na mesa cinco.

Os leões-de-chácara guardam a porta. Calados. É terça-feira, melhor dia para se visitar a zona do meretrício. Aprochega um abastado. Conversa com a cafetina. Tira do bolso um maço de notas graúdas. Manda cerrar o cadeado. Ninguém mais entra, ninguém mais sai. A festa vira festança por conta dele. Até o sol raiar, bebida de graça, sexo, e não duvide, orgias, mas essa reservada ao patrão. Três das melhores da casa para o quarto maior.

O som que se faz ouvir agora é outro. Risadas, gemidos de gozo, de falso-gozo, ranger de dentes. E tudo recomeça de novo no cair da tarde...