O traçado português cruza em cruzes o torrão natal. Mira com teu óculo teu oráculo, lá no baixio em quadras simétricas, de 100 metros a mais de pedras de basalto trinchadas a martelo e finca...
------------------------------------------------------------------------------------------------
Voltei desperto do sono-mormaço desse dia, onde a preguiça derruba qualquer índio vago, na sesta.
------------------------------------------------------------------------------------------------
Rogo aos homens de tronco guaranítico (como eu) que se espalham em vozes anazaladas, ali, à frente da Timbaúva, aproveitando à sombra o enfastiado fiambre. "É ora de despertar. Vide os de castela, os vascos... esses que aí estão assentados em sesmarias. Prometeram-nos, primeiro, a civilidade, a educação, os bons costumes à mesa, os mais sagrados tesouros em compartilho de espólios. Para quê? Para converter-nos em sacerdócios servis, escravos? Viramos o quê? Passivos pacholos em batalhas... descomunais massas de sangue a banhar coxilhas, a engraxar espadas, xerengas e lanças! Serviçais pra toda lide. Pra mim, tchêguê, me basta. Me voy a outras paragens".
------------------------------------------------------------------------------------------------
Depois e depois por gerações, entrecruzados tempos contados a invernos, fomos, a pampa, a campo a fora, primeiro, alerdeados de ladrões, contrabandistas, meliantes do tempo e espaço, para, depois, reconhecidos por nossas façanhas, gauchos, de cruza, destemidos, arraigados, centauros das coxilhas orientais. Sim. Podem bradar aos quatro cantos... somos livres como nosso espírito libertário de lança e alma na mão, assombrando impérios... conquistadores da liberdade.
Saturday, September 13, 2008
Thursday, January 10, 2008
Do Diário - Lástimas de Sal
Compreendo o meu estado; meu eu que não eu. Demência. O catre me vitima e me assiste fadadamente e fadado fico. Não como desencanto das bruxas. Essas me aliviam a dor com seus ungüentos e sob efeito destes, acabo relutante como as covinhas de minhas ancas, atento a última golfada de ar suspirar os caprichos que daqui exponho. Se a medicina tradicional não dá cabo, diz a natureza operar seus milagres e a ela se apegam, como eu, politeístas cristãos a claro céu enegrecido das encruzilhadas...despachos de velas coloridas. Envolto na nesga que me traz ao presente, descoloro as pílulas do antes pelo fumacê do depois. Vou a benzedeira; minha última esperança. Agora durmo e sonho e pesadelo.
Estávamos à beira do rio fino de água que corta San Thomé. Do barulho se ouviam grilos e água seguindo seu derradeiro curso. Primitivo o sentido da nossa roda e fogueira ao centro; o estalar dos gravetos em brasa. A platéia de estrelas cintilantes formavam o espelho, onde víamos nossos próprios olhos. Nas mãos: sacos plásticos em cola de forma ausente, com que saíamos de nossos corpos para visões de nossas vidas. Flap flup flap flup. O saco plástico imitava o movimento do diafragma-pulmão. Imitava o momento anterior ao sono profundo...arquejante, spaccio, arquejante, spaccio, contração, spaccio, respiração, pausa, ritmo, coração, fluxo sangüíneo, diminui cadência, compasso diminui, estado alfa-beta...durma.
A mulher de Jó estava sentada na roda de pragma e nos observava temendo repetir-se o caminho que fizera ao olhar para traz. Olhou repentinamente como a me reprovar pelo intento; quase súplica do vício da razão de alterar o espírito presente a drogadição do estado alterado da mente. Não me importei. Não era para tanto, pois não cabe a mim julgar uma visão. Só a viagem daquela fração de segundo poderia explicar mil motivos em minutos finitos: de como o homem se sente poderoso e mesquinho ao dar valor a descrença; ao ato de violar o segredo do xamã.
Aquilo ocorreria mais vezes, mais e mais e pedia que cessasse. A bad trip era sempre a mesma. Me via cercado em uma cratera lunar. Dela brotava sulcos de terra; leiva a misturar-se ao cheiro de enxofre; carne em corpos defumados após a queda de um meteorito. A fumaça envolvia negro o horizonte e impedia o sol de beijar a terra. Após, ouvia gritos desesperados de crianças que corriam sem direção feito baratas envenenadas. Seus rostos traziam feições de abandono. Eu mecanicamente repetia o mesmo: “é o fim, é o fim... acabou o mundo. Acabou e ficamos nós três: o pai, o filho e o espírito santo”.
Bem mais tarde depois de ingerir leite - parte da nossa desintoxicação - lembrava da infância/adolescência quando um amigo da escola contava nos dedos os anos para o fim do mundo. Para ele, o mundo acabaria a meia-noite do ano dois mil. Para minha avó que não era vidente, a vida tinha fim quando corria a primeira lágrima da carpideira, ou quando relembrava cada nome gravado na lápide, data de nascimento e morte de ente-queridos. Isso não a impedia de fazer seus presságios: “o mundo acabará em fogo. Assim seja feita a vontade daquele que é o verdadeiro pai e criador”.
Tudo voltava. Via meus amigos de pragma em suas viagens pessoais. Um ria do pealo que o peão levara do cavalo. Outro se punha de pé, imitando um surfista a pegar uma onda gigantesca. E eu pincelava o céu com meus dedos a procura do zodíaco. Ficávamos sem noção do tempo, entregues à noite e ao silêncio das horas. Ouvíamos nossas respirações e a inquietude serena do bucólico ser inanimado com que convivíamos... os nossos fantasmas.
..........................................
A sociedade julga por demais os vícios e sofregamente os viciados. Não sabe ela estar envolta numa carapuça, armadilha não ilusória. Conquanto insiste em negar a natureza humana por achar demasiada perfeita a razão de se entregar clandestinamente ao que lhe parece verdadeiro. E assim, confortável e pura de espírito não responde por seus atos conservadores; moralmente ultrapassados se dizem juízes da incompreensão que não está nas palavras, mas naquele que não ouve e não vê a negação: a pedra na mão do pecador.
Estávamos à beira do rio fino de água que corta San Thomé. Do barulho se ouviam grilos e água seguindo seu derradeiro curso. Primitivo o sentido da nossa roda e fogueira ao centro; o estalar dos gravetos em brasa. A platéia de estrelas cintilantes formavam o espelho, onde víamos nossos próprios olhos. Nas mãos: sacos plásticos em cola de forma ausente, com que saíamos de nossos corpos para visões de nossas vidas. Flap flup flap flup. O saco plástico imitava o movimento do diafragma-pulmão. Imitava o momento anterior ao sono profundo...arquejante, spaccio, arquejante, spaccio, contração, spaccio, respiração, pausa, ritmo, coração, fluxo sangüíneo, diminui cadência, compasso diminui, estado alfa-beta...durma.
A mulher de Jó estava sentada na roda de pragma e nos observava temendo repetir-se o caminho que fizera ao olhar para traz. Olhou repentinamente como a me reprovar pelo intento; quase súplica do vício da razão de alterar o espírito presente a drogadição do estado alterado da mente. Não me importei. Não era para tanto, pois não cabe a mim julgar uma visão. Só a viagem daquela fração de segundo poderia explicar mil motivos em minutos finitos: de como o homem se sente poderoso e mesquinho ao dar valor a descrença; ao ato de violar o segredo do xamã.
Aquilo ocorreria mais vezes, mais e mais e pedia que cessasse. A bad trip era sempre a mesma. Me via cercado em uma cratera lunar. Dela brotava sulcos de terra; leiva a misturar-se ao cheiro de enxofre; carne em corpos defumados após a queda de um meteorito. A fumaça envolvia negro o horizonte e impedia o sol de beijar a terra. Após, ouvia gritos desesperados de crianças que corriam sem direção feito baratas envenenadas. Seus rostos traziam feições de abandono. Eu mecanicamente repetia o mesmo: “é o fim, é o fim... acabou o mundo. Acabou e ficamos nós três: o pai, o filho e o espírito santo”.
Bem mais tarde depois de ingerir leite - parte da nossa desintoxicação - lembrava da infância/adolescência quando um amigo da escola contava nos dedos os anos para o fim do mundo. Para ele, o mundo acabaria a meia-noite do ano dois mil. Para minha avó que não era vidente, a vida tinha fim quando corria a primeira lágrima da carpideira, ou quando relembrava cada nome gravado na lápide, data de nascimento e morte de ente-queridos. Isso não a impedia de fazer seus presságios: “o mundo acabará em fogo. Assim seja feita a vontade daquele que é o verdadeiro pai e criador”.
Tudo voltava. Via meus amigos de pragma em suas viagens pessoais. Um ria do pealo que o peão levara do cavalo. Outro se punha de pé, imitando um surfista a pegar uma onda gigantesca. E eu pincelava o céu com meus dedos a procura do zodíaco. Ficávamos sem noção do tempo, entregues à noite e ao silêncio das horas. Ouvíamos nossas respirações e a inquietude serena do bucólico ser inanimado com que convivíamos... os nossos fantasmas.
..........................................
A sociedade julga por demais os vícios e sofregamente os viciados. Não sabe ela estar envolta numa carapuça, armadilha não ilusória. Conquanto insiste em negar a natureza humana por achar demasiada perfeita a razão de se entregar clandestinamente ao que lhe parece verdadeiro. E assim, confortável e pura de espírito não responde por seus atos conservadores; moralmente ultrapassados se dizem juízes da incompreensão que não está nas palavras, mas naquele que não ouve e não vê a negação: a pedra na mão do pecador.
Subscribe to:
Comments (Atom)
