Saturday, April 21, 2007

Hipocampo Condríaco - Lux solaris

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Dos umbrais antigos, dos parapeitos das sacadas, à sombra dos jacarandás, cabriúvas, ipês, na fileira de coqueiros de 23, matronas serpenteiam suas línguas bifurcadas sobre o alheio. Quando seus filhos cometem o mais hirto das criancices juvenis, pecado da língua solta ou “nome feio”, punem-nos a pimenta-do-reino, cascudos abrutalhados. Quando o mesmo veneno é destilado pelas suas bocas, a punição vem em desastres aparentemente naturais pelas fofocas, traições, conspirações. Probatum est...

A língua afiada é a prova da prosa da mecânica do desabor e da rapinagem cíclica da comuna. A engrenagem se move a favor dos conchavos políticos... conluios matrimoniais, por vingança, por honra, inveja; por maldade do avinhamento de tear trançado em “casamentos de interesse” mútuo-capital, pena capital. Funciona a favor dos abastados, ora na aversão da idiossincrasia popularesca, trazendo confusão aos de curta visão mental.

Cegados de ira – tanto faz o lado dos vilipêndios que ela atinge na cova dos mortos vivos -, lhes roubam as riquezas materiais e espirituais, como advento de uma nova Era matizada na griz descolorida da cútis da minha gente.
Na roda do mate à praça central, saem das línguas bifurcadas de cobra, as pragas de cigana arisca que, prevêem nos adivinhos, as mais laboriosas conspirações da terra nobilis. Usam da dissimulação e, as bolitas dos olhos se cruzam aos transeuntes, disfarçados métodos, as costas das vítimas, destilam o mais puro veneno que na semana subseqüente andará em outras bocas brabas, sendo este último o cadáver da vez, como senão soubesse de antemão que andava na boca do povo.

Se desencilham visões da catástrofe em morticínio aparentemente fútil, porém com requintes de crueldade: duas famílias reduzidas a um irmão de 14 anos, salvo pelas mãos do seu próprio carrasco que, a hora do julgamento, se arrepende e deixa viver um de cinco para contar a história dos vencidos, naquele duelo à sombra dos cinamomos, naquele domingo de sol, com os cavalos apadrinhados na cancha reta e o sangue melando as pedras do poço; o filho que encomenda a morte do pai a um terceiro, num aparente furto desastroso, machado a cabeça, o olho com o olho da ferramenta, em troca de algum dinheiro; o bolicheiro que toma as dores do bêbado frustrado e atira sem piedade no índio centauro que, antes de morrer de joelhos como penitência, ainda tem forças para marcá-lo a lâmina quente, com o t, de taura.

Ou a de um covarde escondido nos taquarais. Para cessar o silêncio de anos, três tiros a traição, e mata o pai de sete filhos, porque não teria coragem de encarar a morte de frente. Ou a de um crente que mata a pauladas um mendigo simplesmente para expulsar os demônios do corpo. Ainda: um namorado embevecido pelas intrigas das fofoqueiras consome, primeiro, com a vida do futuro sogro, depois com a da amada e de seu filho no ventre, pensando ser o ser seu, de outro. Um brigadiano aposentado mata a tiros o adversário político para não pagar a dívida da jogatina do pleito, do sufrágio universal.

E as mesmas línguas assassinas se encarregam de espalhar as más notícias nos pátios das casas mortas, nas sombras negras sob os arvoredos, num telefone sem fio em diferentes rosas dos ventos.

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