Monday, February 08, 2010

O carão uruguayo à brasileña

*Baseado em fatos reais – Montevidéu, janeiro de 2010

A mente anda vazia como meus passos a procura de sentido e lugar comum, aonde possa penetrar em outras mentes adormecidas revolucionariamente nas conversas de botecos afins. À mesa encaro o líquido espumante de uma cerveja com colarinho na medida certa. O silêncio emudece a mim e a minha companheira, só por detalhe do momento, em observar o comportamento de outras almas. Os simpáticos garçons num vai-e-vem frenético tentam saciar a sede e os pedidos de algures estrangeiros: apalavraedos em língua comum, se misturam ao rústico bretão.

Ao ar livre, a música criola toma conta de corpos vibrantes na “Plaza del Entrevero”, feito palco improvisado defronte ao enorme monumento em homenagem aos bravos gauchos uruguayos que pelejaram por la República Oriental. E, os centauros – cavalos e gauchos unidos num só corpo -, dão a dramaticidade da ocasião aos bailarinos. Se refestelam com os despojos do inimigo após uma batalha. São homens e mulheres embriagados pelo calor da noite e dos corpos que transcendem, mantendo a identidade incompreensível (ao olhar dos de fora dos trópicos): “como podem ser tão desinibidos?", devem estar a se perguntar os de língua presa.

Enquanto o trago nas mesas sob o mesanino expõem diferenças de classes e caras desconfiadas, a canha em garrafas pets passam de mão-em-mão entre os dançarinos. Sorrisos, miras em ojos rojos y lábios partidos, a cantarolarem os estribilhos da canção dançante. Esses, homens e mulheres em local público que, se faz a casa de tantos na América Latina, seguem os passos e esqueçem as mentes porque a revolução já foi vencida há muito tempo à fuzil e a baioneta. Mesmo.

Como somos felizes, como somos tão iguais e diferentes ao mesmo tempo, mas as diferenças terminam aí. Até mesmo para os de arriba, aqui, na Plaza Fabian, nos parecemos diferentes e somos iguais aos de baixo da linha divisória imaginária, que tanto nos degladiamos por um fim próximo. O por que de tanto ódio? Colonialismo barato. Aculturação que tenta apagar o apagável, pois da memória se apaga o que se quer e se guarda o que não se quer. “Gracias pela lembrança, hermano Luiz!”.

Dois casais conversam freneticamente sobre a Banda Oriental e seus atrativos turísticos. Playa de Pocitos. Ramplas. Mar del Plata. Punta Gorda. Maldonado. Puntas: Ballenas, del Diablo, Leste, dos argentos. Colônia. Sacramento. Ciudad Vieja. Uma hermosa senhorita brasileña se sacode ao embalo da sonoridade gritante da mistura do batuque do candomblê com a voz de veludo da cantora. Pois bem. Um homem com traço hispano-charrua se aproxima da mesa, a minha frente, onde a língua me é familiar. Os gestos, educados da mão à saudação romântica, lhe convidam a bailar. A negativa vêm em sorrisos que desfiguram a face em tom sério. O homem agradece e se retira sem perder a compustura. M-a-l-e-d-u-c-a-d-a. “Sí. Se baila pero no me gusta... me gusta bailar sólo”. Y sólo.

A retribuição do carão vem de acaballo e no corar do rosto da mocita brasileña. O hispano-charrua mira um perro que bailava por entre as pernas dos bailarinos. Não pensa duas vezes. Sem convite e sem carão, segura as patas do cachorro e lhe saca a dançar. Os risos tomam conta da plateia e, a mulher, mais do que corada, agora se envergonha... o pior narcisista de todos é aquele que não se enxerga no espelho.

2 comments:

Marjorie said...

HABEMOS BLOG e eu nem sabia!!!

bah!

=*

Cátia Cy said...

hehehehe
buenísimo cuento de la vida real...
abrazo
:)