Friday, December 01, 2006

De volta ao mundo dos mortos vivos




Enquanto divago em pensamentos preguiçosos, contemplo esse mar cinzento de túmulos que me acompanha há exatos trinta e quatro anos e oito meses. Daqui quatro meses hei de me despedir de tudo isso, hei de arrepender-me também. Foi aqui neste misto de casa-casulo, onde durmo, respiro e faço minhas obrigações de guardião dos mortos, que passei o maior tempo da minha vida e aqui um dia, acredito, porque apesar de pobre tenho alma e toda alma merece uma morada; mesmo que tenha depositado mais carne no catre do que assentado tijolos em túmulos. Acredito que uma cova simples a de guardar meu corpo já cansado. Então, aqui permanecerei para sempre, mesmo na lembrança, em companhia de meus eternos amigos mortais e imortais.

Isso mesmo: este é meu segredo. Aprendi tudo o que sei com os mortos. Até converso com eles. Os “iniciados” como veremos adiante, ensinaram-me a compreender o mundo, onde conheci o que me foi permitido ver, sem ponderar e questionar o desconhecido, de viajar pelo mundo, sem ao menos ter tirado os olhos do céu estrelado inundando meu jardim de coroas, de arbustos daninhos que rondam os caminhos por dentre os túmulos.

Essa é a minha filosofia: a de um viajante em permanente estática; só a mente em expansão. Ah! céu límpido a banhar a noite nesses muros laterais sob a benção de um bosque de eucaliptos e areia vermelha, com a luz de um lampião numa colina, piscando ao longe, ao ser observado da janela do ônibus imaginário, nestas minhas viagens pelo mundo. Sim. Conheci todos os lugares imagináveis e ocultos. E assim, comparo isso a cada nome gravado nas lápides, seja nos nomes talhados no mármore dos mausoléus, seja nas cruzes dos sepulcros identificados à cal a beira da estrada. Meus pais, irmãos, irmãs, tios, tias, sobrinhos e sobrinhas, amigos e inimigos, estão aqui, bem aqui diante dos meus olhos, onde sentado no meu mocho vejo essa vida curta no tripé que dá forma aos seus pés; murcha como as flores nos vasos de algumas cruzes esquecidas, na guarda de minhas asas, das asas de anjos e querubins, neste que é o último refúgio do que somos e seremos nos pós-morte. Absolutamente nada, exceto pela aura que deixamos enquanto mortos vivos.

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