Sunday, December 03, 2006

Do Diário - Sonho Surreal

Era uma noite de extremo negrume, não havia estrelas no céu e a lua estava encoberta por nuvens espessas que se confundiam com a própria escuridão. Eu caminhava ao longo de uma estrada gramada, as suas extremidades o era de um verde espantoso. Sei que era grama porque meus pés estavam descalços e vez ou outra os espinhos das rosetas roçavam as plantas dos pés. No sonho não sabia como havia chegado ali. E aquela escuridão me apavorava, exceto pela sensação de calma em que meus pés se encontravam ao afundar naquele campo, naquele tapete verde. De repente fui tomado de uma angústia. Foi tão rápido quanto o processo de alteração de estágio de sonho, passando a beta num estalar de dedos. Não distinguia nada a meu redor, mas os sons vinham nitidamente como se tivesse somente ouvidos. Um cão latia não muito longe dali. Isso me chamou a atenção e numa fração de segundo olhei para o alto e a lua começou a furar aquela nesga de nuvem, numa coloração mais de cinza-prata do que branco-escuro. Olhei para o lado e vi dois mastros de madeira arredondado formando uma espécie de coreto de praça... Apenas subiam verticalmente, como se ligassem a terra ao espaço. Por instinto passei no meio deste marco e comecei a correr num terreno primeiramente plano, passando ao declive e, depois plano novamente, e depois a escuridão se fez de novo, e eu corria e corria seguindo os latidos desesperados do cachorro, que aumentavam na medida em que me aproximava. Parei repentinamente. Lembro de ter me abaixado, mas não me recordo o que procurava no chão.

Quando me dei por conta estava com um cão pequeno junto ao corpo. Os latidos foram cessando de um alarde gutural para um gemido, e uma sensação de calma invadiu o filhote que se calou por completo pressentindo a segurança de meus braços e o calor do meu corpo. Ouvi o trotar de cavalos se aproximando e vozes que soavam numa língua incompreensível. Depois a conversa numa língua familiar, indígena. Corri em direção aquele marco de madeira fincado no chão, a única coisa que conseguia enxergar naquele negrume, já que a luz da lua que banhou o campo por um instante, desaparecera. O medo foi tomando corpo de meu corpo, pernas bambas. Quanto mais corria, sôfrego, maior era a aflição, mais forte prenunciava o cavalgar daqueles cavalheiros da noite, que, agora, se dirigiam em minha direção, gritando por terem me avistado, por perceberem minhas passadas loucas campo-a-fora.
E como cega era à noite. E como cego ficaram os meus olhos, que os fechei. Fuga treslouca pela escuridão daquele verde. Ainda tive tempo de olhar para trás e ver apenas as patas dos cavalos se chocando a água de um banhado. Corri, corri, corri até avistar e ver para além de um túnel de árvores que se formava a minha frente e, mais adiante, a luz aumentava na medida que se aproximava o fim do arco verde.

Felicidade foi aquela, quando avistei uma rua iluminada por um poste e pude num tino, para fugir do medo, esconder-me na beirada de um muro de pedra, ao lado de uma casa velha. Acariciei a cabeça do meu pequeno amigo, buscando alento em seus pêlos e procurando acalmá-lo. Eram dois, os cavalheiros. Não vi seus rostos com nitidez, porém, procedia minha intuição quanto ao linguajar: eram tapes. Identifiquei-os pelo cabelo negro, liso, cortado em formato de U invertido, a tez encarvoada para a guerra e, presos a uma fita de couro fina e transada de três na testa de um, transada de cinco noutro. Conhecia-os também pela forma em que se portavam sobre suas montarias, com as lanças compridas e pontiagudas de pedra falquejada. As boleadeiras presas à mão que seguravam as rédeas. Resmungaram algo, como se assentissem a perda da presa que procuravam. Mas afinal, era eu que eles queriam ou ao “cão fujão”? - Nenhum dos dois! Entrementes, ali, com a luz do luar que voltava a iluminar tudo, de soslaio, levantando a cabeça com cuidado para não entregar minha posição, vislumbrei uma cena sombria.

Os índios recolhiam o corpo de um guerreiro tombado perto de uma enorme timbaúva. Murmuraram algo, não os entendi desta vez. Amarraram aos pés tiras de couro as correias de igual feitio atadas nos cavalos e o arrastaram para dentro do túnel verde-copado-de-árvores. O medo sacolejou meu corpo e quando me dei por conta corria de novo. Depois, já me via na rua, o pavor ainda invadindo, quando sai das luzes dos postes para a escuridão dos paralelepípedos, uma luz fraca, iluminava feito holofote somente o meu corpo. De súbito, os passos eram largos e não podia delinear o horizonte, senti os pés tocarem nas pedras irregulares do calçamento, para, de repente, no chão, ver poças de sangue a meus pés. Já não tocava em pedras e sim em lâminas de aço branco, afiadas, mas não sentia dor alguma...

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