No prédio cor-de-ovo são poucos os condôminos a dormir o sono dos justos. O Pombal, em sua arquitetura oitentista, privilegia os apartamentos de paredes com acústica de gesso ou caixas de ovos. O silêncio, por mais que se faça necessário às 22h30, não é seguido ao pé da letra. Então, aquele trocadilho de que se trocou à noite pelo dia também vale no Pombal. Que o diga o Seu Zeca e um grupinho de incansáveis hibernadores de dia e corujas à noite.
O relógio da Igreja Luterana nem bem anuncia às 23h e, lá estão eles, seguindo em procissão pela calçada antiderrapante até a guarita do vigia, num constante vai-e-vem. Conversam. Tomam o mate a matar a sede da goela seca. De vez em quando, janelas e persianas se abrem e se fecham em tempos espaçados sincronicamente, em um prenúncio de incomodação pelo alarido das tagarelas da noite. O telefone público agora toca. O grupinho fica mudo por alguns instantes. O Seu Zeca atende: - Sim. Pois é...mas é que...não sei...vai a mer...droga...desligou! – diz Seu Zeca. - Quem era? – pergunta curioso o Seu Baio, o mais popular dos habitue daquelas horas – o primeiro a chegar e o último a sair. – A voz não me é estranha. Mas a pessoa usou a técnica do lenço – responde Seu Zeca com ar de sabichão, de detetive de filme policial. O “orelhão” chama por mais uma viva alma. – Alô! Vai dormir múmia...não posso fazer nada – grita Seu Zeca. – Ah tá! Deve ser a velha do oitocentos e pouco, controlando o perímetro urbano do Pombal – imagina Seu Baio. – Ou é trote mesmo – imagina o vigia.
Às cinco horas vem a resposta. Um Fiat Uno com o dístico da ETE estaciona no sentido oblíquo, bem na frente do orelhão. Tranqüilamente, um rapazote dirige-se para o telefone. Pára. Cumprimenta a todos. Olha o serial number do aparelho. O grupinho de hibernadores fica só observando. O Seu Zeca coça um rabo de barba. – Que droga. Era isto então! – fala o rapaz. – Era isso o quê? – pergunta Seu Zeca, desconfiado. – Linha cruzada. Fiquei a noite toda tentando achar... Não deu nem tempo do rapazote colocar o fone no gancho e todos, todos “caíram” em cima dele. O Pombal inteiro acordou mais cedo naquele dia, ou melhor naquela noite. – Pega. Sai fora. Tira a mão daí...
Subscribe to:
Post Comments (Atom)

No comments:
Post a Comment