Wednesday, April 06, 2011

Pombal desalmado

Todo o santo dia é a mesma coisa. Acordo de sobressalto, com um som estridente de academia. O relógio nem bem desperta e, está lá, para quem quiser ouvir em alto e bom som, os escréches a arrulhar os meus ouvidos. Fazer o quê? É o preço que se paga por morar num desses apartamentos do BNH. Para muitos é um jeito econômico ou a economia do jeitinho. O prédio não é tão feio como aparenta ser. O estético, além da cor de ovo das paredes, tem outro aspecto arquitetônico: o contraste das janelas com o modo de ser dos moradores do Pombal.

À noitinha tenho o costume de sentar no banco decorativo do jardim da síndica. Pareço mais um duende a enfeitá-lo do que alguns transeuntes a esconder as cabeças sob as pequenas coníferas, meio no brinca nem cumprimenta de gente cansada, ao voltar do trabalho. Quase sempre encontro o Seu Juli, pacato condômino e contribuinte dos fundos do condomínio e do INAMPS, assim como eu. Entre uma tragada de cigarro e o passar da cuia de chimarrão, sempre sai alguma piadinha. Mas, com o seu Juli, não. Com ele não tem essa de ficar xeretando a vida dos outros pelas janelas, para não dizer voyerismo. Ao invés dele, prefere o banco da síndica. Pelo contrário. O Seu Juli é o maior crítico local que conheço. Lavoiser Martins, Arnaldo Sabão e Paulo Francis ficam no chinelo. Nada escapa ao olhar do atento gavião a rondar os ninhos do Pombal.

Esses dias, o Seu Juli tirou em saber, o porque dos por quês do aumento da taxa do condomínio. Enquanto alguns elaboravam teses de macroeconomia e outros sobre especulações imobiliárias, Seu Juli explicava que só podia ser coisa do famigerado sistema capitalista ou do velho, não tão velho jeitinho brasileiro de modificar de tempos em tempos o Código Civil; mudar os inúmeros incisos e pré-molares do estatuto do condomínio. – Isso, meu filho, é fazer caixa! -, disse. Tem jeito mais fácil dos proprietários reverterem cinco mil réis em benefício próprio do próprio condomínio? E não é que o Seu Juli tinha razão. Não deu três meses trocaram a calçada todinha. Até que deu uma melhorada na estética do prédio, que agora tem passarela antiderrapante.

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